Fabiana Pinto, Tainah Pereira e Adriane Primo

O resultado das eleições de 2024 revela muito sobre o atual cenário democrático brasileiro e o papel vital que as mulheres negras desempenham na construção de um sistema político mais inclusivo e representativo. “Não há democracia sem mulheres negras” é uma afirmação que ecoa em muitos círculos de conversas e uma verdade que se confirma quando observamos a histórica participação e liderança dessas mulheres em movimentos e campanhas que desafiam desigualdades estruturais e promovem a justiça social. No entanto, como as recentes eleições revelam, a distância entre o aumento das candidaturas de mulheres negras e a conquista efetiva de cargos políticos ainda é grande. Até porque, a persistência de barreiras, como a violência política de gênero e as autoanistias partidária, são igualmente históricas no percurso eletivo dessas mulheres no processo eleitoral brasileiro.

 

O Movimento de Mulheres Negras

Em uma sociedade que enfrenta graves desafios relacionados à pobreza, à discriminação e à exclusão, as mulheres negras estão na linha de frente liderando iniciativas sociais e campanhas políticas que buscam aumentar a inclusão e a justiça social. Como pontua Sueli Carneiro, ativista e intelectual fundamental para o Movimento Negro no Brasil, ao longo de nossa história, “as mulheres negras têm redefinido as noções de democracia, cidadania e direitos humanos, configurando-se como agentes civilizatórios”. Esta atuação, ainda que historicamente invisibilizada, é essencial para a ensaio de como a sociedade brasileira deve funcionar.

No início do século XX, nomes como Almerinda Faria Gama, Antonieta de Barros e Jurema Batista já defendiam pautas essenciais como o direito ao voto feminino, a ampliação da educação pública, o acesso à saúde e o bem-estar para a população negra. Essas lideranças não apenas inauguraram a participação política das mulheres negras, mas também estruturaram políticas fundamentais para a construção de um país mais justo. Sem as contribuições dessas mulheres, o Brasil não teria os avanços em saúde pública que alcançou por meio do SUS, nem leis educacionais fundamentais para o desenvolvimento social.

Apesar dessas constatações, a realidade política atual aponta para uma dualidade que nos coloca novos desafios: A população negra aumentou sua representatividade de 42,1% no Legislativo e 29,2% no Executivo municipal em 2016 para 45,9% e 33,5% , respectivamente, em 2024. Mas, esse avanço, embora significativo, ainda está distante de refletir a composição racial do país. Além disso, ainda há uma desproporção alarmante no que tange a participação de mulheres negras nas Casas Legislativas: enquanto 1 mulher branca é eleita a cada 10 candidatas, 1 mulher negra é eleita a cada 26 candidatas. E pior: os números das eleições de 2024 mostram que partidos conservadores como MDB, PSD e PP foram os que mais elegeram candidatos negros, embora em termos proporcionais, partidos de esquerda ainda possuam um número maior de eleitos negros.

Ou seja, mesmo havendo um aumento no número de candidaturas negras, a efetiva eleição de pessoas negras, e especialmente de mulheres negras, ainda é limitada e com tendência ideológica conservadora.
O exemplo de Porto Alegre é emblemático dos desafios enfrentados pelas candidaturas negras. Em 2020, cinco pessoas negras, quatro delas mulheres, foram eleitas para a Câmara Municipal da cidade, formando a inédita Bancada Negra. No entanto, em 2024, apenas duas mulheres negras foram eleitas, sendo uma reeleita. Este é um exemplo claro de que, embora haja vontade e mobilização, o caminho entre se candidatar e ser eleita e reeleita é repleto de barreiras.

Questões como subfinanciamento sistemático que não se alinha com as necessidades dessas campanhas, fazendo com que o impacto seja limitado; a violência política de gênero e raça, que apesar de três anos de lei ainda se apresenta quase nula sua aplicabilidade; o uso da máquina pública e recursos como emendas parlamentares, que fortalecem candidaturas que já detêm o poder, impedindo a ascensão de novas lideranças são obstáculos concomitantes que dificultam a ampliação da participação de mulheres negras em cargos de poder na política institucional. Mesmo com o avanço de figuras proeminentes como a deputada federal Erika Hilton, que anteriormente ocupava uma cadeira na Câmara Municipal, com uma eleição expressiva em 2020, e que em 2022 se elegeu com votação expressiva demonstra que a luta por representatividade é contínua e exige novas estratégias e alianças. E não estamos falando da chamada “frente amplíssima”.

O futuro é logo ali

Ao projetarmos o futuro, percebemos que o caminho para uma democracia plena e justa passa por um compromisso com a inclusão das mulheres negras na política institucional. Nas próximas eleições, espera-se que as lideranças negras continuem se organizando e propondo soluções inovadoras para garantir a presença de suas agendas. No entanto, é essencial que os partidos políticos também se comprometam com essa causa, não apenas lançando candidaturas negras, mas promovendo apoio real e recursos equitativos para que essas campanhas possam prosperar. E, sobretudo, é fundamental que o eleitorado brasileiro reconheça a importância de votar em mulheres negras, não apenas para reparar uma dívida histórica, mas para construir uma sociedade que seja verdadeiramente digna para todas as pessoas.

Não podemos duvidar do potencial das mulheres negras para moldar o futuro da política no Brasil. Porque se nós sobrevivemos às pressões sobre nossas cabeças que nos impedem de dormir tranquilas, adoecem nosso corpo e minam o brilho da nossa alma, então nós também também podemos reoarganizar toda essa bagunça e construir políticas que garantam o enevelhecimento digno da nossa comunidade, comida de qualidade na mesa todos os dias, educação para nossas crianças, lazer para nossa família, bem-estar para a comunidade.

Durante a pandemia, por exemplo, o Movimento Mulheres Negras Decidem, lançou o estudo “Para Onde Vamos”, que propõe uma visão de futuro e responde a emergências sociais que se acentuaram com a crise sanitária. Esse é um exemplo claro da vocação das mulheres negras para imaginar, projetar e construir alternativas para o Brasil. Com a sua resiliência e criatividade, as mulheres negras têm mostrado que, apesar de todas as adversidades, estão dispostas a seguir na luta por um país mais justo e inclusivo.

No balanço das eleições de 2024, fica a certeza de que a democracia brasileira ainda precisa avançar muito para ser verdadeiramente representativa. É necessário um compromisso coletivo – do eleitorado, dos partidos e das lideranças políticas – para garantir que a participação das mulheres negras na política seja plena. Afinal, como demonstrado ao longo de nossa história, não há democracia, não há desenvolvimento, e não há justiça social sem as mulheres negras.

Construir um Brasil melhor requer ousadia, e quem melhor para liderar essa empreitada do que as mulheres negras? Cuja trajetória já nos provou que são elas que mantêm viva a chama de uma democracia que insiste em não deixar ninguém para trás.

A Democracia Brasileira e o Papel Fundamental das Mulheres Negras: Balanço das Eleições 2024 e Perspectivas para o Futuro