Conte para nós a sua história. Quem é Daiana Santos?
Sou uma mulher negra em movimento. Ativista e militante, educadora social e sanitarista formada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Também sou moradora do Morro Santana, periferia de Porto Alegre. Em 2021, fui eleita vereadora pelo PCdoB nessa capital, numa eleição marcada pela formação da primeira bancada negra na cidade, composta por quatro vereadoras negras e um vereador negro.
Nascida em Júlio de Castilho (RS), tenho cinco temáticas principais em meu mandato, pautas que antes de serem bandeiras de luta, atravessam meu próprio corpo enquanto mulher negra lésbica e periférica: promoção da saúde pública em todas as suas esferas de atuação, a luta pelos direitos das mulheres e da população negra, a concretização de política públicas na periferia, os direitos da população LGBTQIA+ e assistência social.
Trajetória política e como sanitarista
Minha trajetória até a política se deu em um processo natural a partir do envolvimento com as demandas da minha comunidade. Sempre fui cercada de mulheres negras mais velhas com quem aprendi o fazer político a partir do cotidiano, das necessidades básicas do dia a dia. Seja pela organização coletiva das mulheres pra conseguir mais vagas nas creches para seus filhos, na construção de redes para encontrar empregos ou de ajuda mútua entre as mulheres na comunidade. Foi a partir do olhar para essas necessidades que eu decidi fundar o Fundo de Mulheres POA para atender demandas das mais básicas e diversas possíveis das mulheres da periferia. E no período da pandemia, construí redes de solidariedade e distribuição de alimentos para essas mulheres.
Além disso, sou educadora social e estudei Saúde Coletiva na UFRGS e construí conexões políticas entre esses espaços de atuação: a periferia, a assistência social e a universidade. Foram nesses locais que se deu a minha formação política, a partir da prática. Nisso, o envolvimento com a política institucional se deu ao natural. Percebi a importância da representação de uma mulher negra lésbica periférica trazer essas demandas para dentro da Câmara de Vereadores e possibilitar que nossas lutas sejam transformadas em política pública para as nossas. É a partir desse entendimento que me filiei ao PCdoB, a convite de uma amiga militante antiga do partido. Construí a minha campanha política através do contato direto com a minha comunidade e da visibilidade do trabalho que eu já desenvolvia. Foi assim que, mesmo com pouquíssima verba para campanha eleitoral, consegui me eleger.
Comente sobre os desafios de construir uma campanha eleitoral em contexto de pandemia?
Foi uma campanha muito difícil, mas necessária. Entendo que as demandas do nosso povo são urgentes e a necessidade de mulheres negras periféricas ocuparem os parlamentos e construírem outras possibilidades políticas não pode esperar. E foi por isso que decidi me candidatar. Foi uma campanha feita na garra e nos becos e vielas da nossa cidade. Através da conversa olho no olho com nosso povo e trazendo esse olhar e essa possibilidade de sermos sujeitos políticos da nossa histórias e darmos um basta na repetição dos mesmos lugares de opressão que a política feita por homens brancos heterossexuais constrói há 500 anos para nós no nosso país.
Foi uma campanha eleitoral feita sem as grandes verbas que ganham os homens brancos eleitos, mas feita com verdade e a partir das pautas que já me movem há muitos anos, como a luta das mulheres, da população LGBTQIA+, da população negra e dos profissionais da saúde pública.
Quais medidas legais tem sido tomadas pelo governo (estadual e municipal) na sua região em relação à covid-19? Quais você achou positivas?
Há uma diferença nas medidas governamentais no âmbito estadual e municipal. No âmbito estadual, o governador tem tentado se manter dialógico e seguir, ainda que com certa flexibilidade, as medidas de segurança sanitária. Tem ouvido as autoridades da saúde e articulado ações para pôr em prática o distanciamento social.
Por outro lado, a prefeitura tem se posicionado de forma a colaborar com o negacionismo e não tem assumido sua responsabilidade diante de um momento tão difícil para o nosso povo. O discurso bolsonarista tem sido inclusive replicado pelo prefeito, que tem colocado os interesses econômicos antes da vida e da saúde da população.
Tanto no âmbito estadual como no municipal, nenhum dos governos tem conseguido casar políticas de restrição de contágio do coronavírus e com a possibilidade de condições sociais (como renda emergencial, microcrédito para pequenos empresários) para a população mais pobre poder realizar o isolamento social. O resultado tem sido o aumento exponencial do número de mortes pela covid-19 e a superlotação dos sistema de saúde.
Sabemos que a atuação de lideranças, especialmente a de mulheres negras, está sendo essencial nos territórios durante a pandemia. Como você enxerga esse cenário?
Nós somos a base da pirâmide social e a maioria das chefes de família no Brasil. Exercemos liderança em nossas comunidades e famílias, mesmo que ainda não estejamos representadas nos espaços de poder.
É a liderança de mulheres negras na periferia que possibilita toda uma rede de cuidado e direitos para as populações marginalizadas que não possuem tal garantia de quem deveria se responsabilizar por essas políticas, o Estado. Assim, diante da ausência estatal, é a organização das mulheres negras que possibilita que o nosso povo siga existindo e resistindo.
Durante a pandemia, tal cenário se tornou ainda mais evidente. As desigualdades se tornaram maiores e o papel das mulheres negras na construção de redes de acolhimento e acesso ao básico nas comunidades, ainda mais importantes. Contudo, não podemos romantizar essa situação, que é fruto de uma irresponsabilidade do Estado para com aqueles que dele mais precisam.
Quais soluções acredita que são possíveis de serem realizadas no combate à pandemia e na defesa da saúde e dos direitos da população? E qual o papel da política institucional nisso?
Esse momento que estamos vivendo seria um momento difícil em qualquer governo. Contudo, nosso governo federal é considerado um dos que pior lidou com a pandemia no mundo. E é a população negra e periférica a mais afetada por um desgoverno negacionista e que não se preocupou em dar garantias sociais e segurança sanitária para a população passar por esse momento difícil.
Se tivéssemos um governo ou uma maioria nas câmaras preocupada de fato com a população, estaríamos promovendo testagem em massa e não teríamos perdido contratos de vacinação, como ocorreu com Pfizer no ano passado. Tais políticas possibilitariam um maior controle do contágio e já poderíamos estar bem a frente na vacinação. Já se passaram mais de 50 dias do início da imunização no Brasil e menos de dois por cento da população já tomou a segunda dose da vacina.
Além disso, deveríamos contar com auxílio emergencial até o fim da pandemia, em um valor adequado para as pessoas poderem garantir sua alimentação e necessidades mais básicas. Outra medida importante seria a oferta de crédito aos pequenos e microempreendedores, para garantir que estabelecimentos comerciais possam ser fechados sem o aumento dos índices de desemprego e falências. Ou seja, são várias as políticas possíveis para garantir o isolamento social e as condições sociais para que as pessoas possam realizá-lo.
Você sabe resumir quais foram suas prioridades e como está organizado o gabinete nestes primeiros meses?
Sem dúvida, as minhas prioridades nesse momento são as frentes de luta que envolvem o combate à pandemia. Desde o primeiro dia de mandata (forma como nos chamamos para demarcar uma posição política de gênero na linguagem), tenho trabalho muito em ações de garantia de segurança sanitária para a população. Estou trabalhando na pressão política junto ao executivo pela reabertura de postos de saúde fechados sem motivação pela gestão anterior da prefeitura. Também tenho atuado junto aos trabalhados do IMESF, inúmeros profissionais da área da saúde concursados e essenciais na atenção primária na nossa cidade e que foram demitidos pela gestão anterior. São centenas de profissionais que poderiam estar trabalhando na ampliação da vacinação e no atendimento a saúde de nossas periferias durante a pandemia.
Além disso, participo da Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude da Câmara de Vereadores. Nesse espaço, tenho trabalhado para garantir que a educação seja prioridade na nossa cidade, seja através da vacinação das/os trabalhadoras/es em educação para que possamos voltar as aulas com segurança sanitária ou através da entrega de alimentação para os milhares de alunos da rede municipal que tinham na escola a garantia de poder realizar ao menos uma refeição diária.
Em segundo plano, tenho atuado em Projetos de Lei e movimentos em prol da luta das mulheres, da população LGBTQIA+ e da população periférica, através da criação da Frente Parlamentar em defesa de políticas públicas para a periferia.
Daiana Santos
Vereadora na cidade de Porto Alegre, Sanitarista e Educadora Social. Moradora do Morro Santana, promotora em Saúde da População Negra, ativista e militante dos movimentos sociais das mulheres, dos negros, da saúde e LGBTQIA+. Idealizadora e coordenadora do Fundo das Mulheres POA.